Saúde

Retorno presencial ao trabalho tem deflagrado medo e ansiedade

Muita gente não aceita a ideia de voltar ao 'velho normal', por medo da Covid-19 ou por ter se adaptado a um ambiente social mais reservado
A psicóloga Grazieli Campello ainda não se sente confortável para voltar a atender no consultório Foto: Arquivo pessoal / Agência O Globo
A psicóloga Grazieli Campello ainda não se sente confortável para voltar a atender no consultório Foto: Arquivo pessoal / Agência O Globo

SÃO PAULO — O tema foi lançado por uma paciente: “Quando voltaremos ao atendimento presencial?” A pergunta chegou de surpresa e despertou uma série de sentimentos na psicóloga Grazieli Campello, de 40 anos. Trabalhando de casa com sessões on-line desde o ano passado, ela não se vê, ainda, de volta ao consultório na capital paulista. Pensar nisso tem sido sinônimo de receios e ansiedade.

— Aquela pergunta me deu um “tremelique” interno. Sinto falta do consultório, da poltrona, do meu espaço. Mas seria angustiante se tivesse que voltar amanhã, pensar no encontro com o outro, ficar de máscara, o medo de contaminação — conta Grazieli.

Asmática e recuperada de Covid-19 no ano passado, ela diz que o retorno presencial seria mais provável em setembro, depois de tomar a segunda dose da vacina. Mas ainda se preocupa com protocolos de segurança e a adaptação de uma agenda de atendimentos que aumentou no regime remoto da pandemia:

— A sensação é de frio na barriga, e tudo isso borbulha dentro de mim.

A descrição da psicóloga paulista chega também aos divãs de outros psicólogos e psiquiatras. Com o avanço da vacinação e a ampliação do funcionamento de serviços e comércios, muitos profissionais e empresas têm intensificado a volta ao trabalho presencial.

O movimento, porém, também gera medo, ansiedade e falta de ar entre quem não se sente preparado para voltar à antiga rotina, com deslocamento e convivência em ambientes fechados. No exterior, o medo da volta ao escritório ganhou nome, o FORTO (“fear of returning to the office”).

— O termo descreve esse medo de retorno ao trabalho, que traz outros temores: o de se contaminar, de voltar a socializar — explica a psiquiatra Danielle Admoni, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que conclui: — Os sintomas são parecidos aos de exposição a uma fobia. A pessoa não consegue dormir na véspera de ir ao escritório, passa mal, tem dor de barriga, dor de cabeça, taquicardia, sudorese, falta de ar.

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No consultório, conta, os relatos são de pessoas que se acostumaram a ficar em casa e que também questionam a necessidade do convívio social e o próprio trabalho.

— Escuto muitos dizerem que não se imaginam voltando a conviver com os colegas, com aquele que fuma, o que grita, o outro que tosse. Ter que voltar a se deslocar e a estar com outras pessoas gera estresse. E, como o trabalho em casa funcionou, para eles a presença física perdeu o sentido. Alguns até consideram pedir demissão se forem obrigados a voltar — conta.

Fora do lugar

Quando o trabalho voltou ao regime presencial, a auxiliar administrativa Ana Luísa Ribeiro, 51 anos, aguentou um tempo e mudou de empresa. O medo de contaminação se uniu à adaptação ao home office, diz, e retomar o “velho normal” é fora de lugar:

— Foi complicado voltar. Passei a tirar duas horas de almoço para ter tempo de ir comer em casa. Não queria almoçar na rua. Depois trabalhava até mais tarde. Passava o dia de máscara, mas nem todos usavam. Era muito desgastante. Estava cada dia mais ansiosa e triste — lembra ela, cujo maior medo era o risco de infecção: — Passava álcool no computador, limpava as mãos o tempo todo. Agora (no atual trabalho) , o retorno presencial dificilmente acontecerá enquanto durar a pandemia.

Se, por um lado a crise sanitária arrasou famílias, por outro permitiu melhorias na vida de muitas pessoas, diz o psicanalista Christian Dunker, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

O trabalho remoto levou à diminuição de atritos no escritório, no trânsito, reduziu interações que para algumas pessoas podem ser penosas, e permitiu mudanças de rotinas, até de cidade. Quem pegou o gosto por uma nova forma de vida, diz ele, não quer voltar ao “velho normal”.

— A volta ao trabalho presencial traz dificuldades de transição. As pessoas estão mais sensíveis a palavras, a tons de voz, contrariedades, estímulos. Quando nos recolhemos em casa, controlamos melhor o ambiente. Quando saímos, é como se estivéssemos em carne viva. Precisamos de calma e tolerância nessa passagem. Estamos todos destreinados com a vida social — explica.

Tudo isso em um país campeão do mundo em transtornos de ansiedade e segundo lugar em casos de depressão. Uma bomba relógio que explode com a retomada de atividades e do trabalho presencial, lembra o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)

— Essas são pessoas que gostam do isolamento e se sentiam protegidas dentro de casa. Muitas estão se dando bem no trabalho remoto por não ter pressão imediata em cima, não ter que participar de reuniões presenciais.

Com a exposição da volta ao trabalho presencial, afirma o psiquiatra, vêm à tona todos os sentimentos de quando se tem uma fobia. Asim, o psiquiatra defende atenção à evolução dos casos:

— Quando esses sintomas são exacerbados, é preciso ajuda profissional.

Desafio legal

A situação traz ainda um desafio legal. A recomendação, ainda mais em tempos de pandemia, é de diálogo e cautela, explica a advogada trabalhista Fernanda Perregil, sócia da Innocenti Advogados.

— Não temos uma legislação que resolva essa questão de forma muito precisa. O que existe é um prazo para retorno de mudanças de regime de trabalho. A CLT estabelece um mínimo de transição de 15 dias. E é preciso olhar para o que foi pactuado no início da relação de trabalho. Se o regime original em contrato for o presencial, o empregador pode exigir o retorno — afirma.

O atual contexto, porém, pede atenção e preocupação com a saúde mental dos funcionários, diz a advogada:

— Uma empresa consciente planeja um retorno gradual. Negociar com os empregado é sempre a melhor saída.